O texto 1, é um sermão escrito pelo Padre Antônio Vieira.
Como seus sermões são bem extensos, colocaremos aqui apenas um trecho:
SERMÃO DE
SANTO ANTÔNIO AOS PEIXES
I
"Vós, diz Cristo, Senhor nosso, falando com os pregadores, sois o
sal da terra: e chama-lhes sal da terra, porque quer que façam na terra o que
faz o sal. O efeito do sal é impedir a corrupção; mas quando a terra se vê tão
corrupta como está a nossa, havendo tantos nela que têm ofício de sal, qual
será, ou qual pode ser a causa desta corrupção? Ou é porque o sal não salga, ou
porque a terra se não deixa salgar. Ou é porque o sal não salga, e os
pregadores não pregam a verdadeira doutrina; ou porque a terra se não deixa
salgar e os ouvintes, sendo verdadeira a doutrina que lhes dão, a não querem
receber. Ou é porque o sal não salga, e os pregadores dizem uma cousa e fazem
outra; ou porque a terra se não deixa salgar, e os ouvintes querem antes imitar
o que eles fazem, que fazer o que dizem. Ou é porque o sal não salga, e os pregadores
se pregam a si e não a Cristo; ou porque a terra se não deixa salgar, e os
ouvintes, em vez de servir a Cristo, servem a seus apetites. Não é tudo isto
verdade? Ainda mal!
Suposto, pois, que ou o sal não salgue ou a terra se não deixe
salgar; que se há-de fazer a este sal e que se há-de fazer a esta terra? O que
se há-de fazer ao sal que não salga, Cristo o disse logo: Quod si sal evanuerit, in
quo salietur? Ad nihilum valet ultra, nisi ut mittatur foras et conculcetur ab
hominibus. «Se o sal perder a substância e a virtude, e o pregador faltar à
doutrina e ao exemplo, o que se lhe há-de fazer, é lançá-lo fora como inútil
para que seja pisado de todos.» Quem se atrevera a dizer tal cousa, se o mesmo
Cristo a não pronunciara? Assim como não há quem seja mais digno de reverência
e de ser posto sobre a cabeça que o pregador que ensina e faz o que deve, assim
é merecedor de todo o desprezo e de ser metido debaixo dos pés, o que com a
palavra ou com a vida prega o contrário.
Isto é o que se deve fazer ao sal que não salga. E à terra que se
não deixa salgar, que se lhe há-de fazer? Este ponto não resolveu Cristo,
Senhor nosso, no Evangelho; mas temos sobre ele a resolução do nosso grande
português Santo António, que hoje celebramos, e a mais galharda e gloriosa
resolução que nenhum santo tomou.
Pregava Santo António em Itália na cidade de Arimino, contra os
hereges, que nela eram muitos; e como erros de entendimento são dificultosos de
arrancar, não só não fazia fruto o santo, mas chegou o povo a se levantar contra
ele e faltou pouco para que lhe não tirassem a vida. Que faria neste caso o
ânimo generoso do grande António? Sacudiria o pó dos sapatos, como Cristo
aconselha em outro lugar? Mas António com os pés descalços não podia fazer esta
protestação; e uns pés a que se não pegou nada da terra não tinham que sacudir.
Que faria logo? Retirar-se-ia? Calar-se-ia? Dissimularia? Daria tempo ao tempo?
Isso ensinaria porventura a prudência ou a covardia humana; mas o zelo da
glória divina, que ardia naquele peito, não se rendeu a semelhantes partidos.
Pois que fez? Mudou somente o púlpito e o auditório, mas não desistiu da
doutrina. Deixa as praças, vai-se às praias; deixa a terra, vai-se ao mar, e
começa a dizer a altas vozes: Já que me não querem ouvir os homens, ouçam-me os
peixes. Oh maravilhas do Altíssimo! Oh poderes do que criou o mar e a terra!
Começam a ferver as ondas, começam a concorrer os peixes, os grandes, os
maiores, os pequenos, e postos todos por sua ordem com as cabeças de fora da
água, António pregava e eles ouviam.
Se a Igreja quer que preguemos de Santo António sobre o Evangelho,
dê-nos outro. Vos estis sal
terrae: É muito bom texto para os outros santos doutores; mas para Santo
António vem-lhe muito curto. Os outros santos doutores da Igreja foram sal da
terra; Santo António foi sal da terra e foi sal do mar. Este é o assunto que eu
tinha para tomar hoje. Mas há muitos dias que tenho metido no pensamento que,
nas festas dos santos, é melhor pregar como eles, que pregar deles. Quanto mais
que o são da minha doutrina, qualquer que ele seja tem tido nesta terra uma
fortuna tão parecida à de Santo António em Arimino, que é força segui-la em
tudo. Muitas vezes vos tenho pregado nesta igreja, e noutras, de manhã e de
tarde, de dia e de noite, sempre com doutrina muito clara, muito sólida, muito
verdadeira, e a que mais necessária e importante é a esta terra para emenda e
reforma dos vícios que a corrompem. O fruto que tenho colhido desta doutrina, e
se a terra tem tomado o sal, ou se tem tomado dele, vós o sabeis e eu por vós o
sinto.
Isto suposto, quero hoje, à imitação de Santo António, voltar-me
da terra ao mar, e já que os homens se não aproveitam, pregar aos peixes. O mar
está tão perto que bem me ouvirão. Os demais podem deixar o sermão, pois não é
para eles. Maria, quer dizer, Domina
maris: «Senhora do mar»; e posto que o assunto seja tão desusado, espero
que me não falte com a costumada graça. Ave
Maria."
ANÁLISE
Padre Antônio Vieira,
escritor de sermões, escrevia principalmente para chamar atenção dos leitores
com seus temas variados. Seu estilo literário é barroco, e os sermões, repletos
de metáforas, figuras de linguagens e antíteses, foram escritos com o intuito
de convencer e persuadir o leitor propriamente dito.
No
sermão de Santo Antônio, Cristo chama os anunciadores da palavra de Deus
de "Sal da Terra". Ele quer que os pregadores sejam aquele elemento
que dá sabor, como o sal, mas que também preserva da corrupção. E Santo Antônio
então questiona: qual seria a causa da corrupção que assola a sociedade?
Estaria faltando anunciadores para serem sal para estas pessoas? Ou
simplesmente o sal não dá sabor? Será que os pregadores não estão anunciando a
Cristo, mas a si mesmos?
Muitas pessoas estão tão incrédulas com tanto corrupção que estão desacreditadas. O sal ajuda a limpar "os sujos" e através dele as pessoas são purificadas pela palavra de Deus. No Antigo Testamento da bíblia, para aqueles que acreditam e a seguem, já diz: "quando uma pessoa é sal, ela faz a diferença na vida dos outros, ela não vive só para si, e sim para ajudar as pessoas que a cercam".
Santo Antônio, cansado de pregar para os hereges (indivíduos que professam uma heresia, ou seja, que questiona certas crenças estabelecidas por uma determinada religião), não desistiu de pregar a doutrina, mas mudou seu público alvo. Ao invés de pregar para homens, passou a pregar para peixes, que ficavam com a cabeça para fora da água ouvindo seus ensinamentos. Além disso, nessa primeira parte, que é a introdução ou exórdio do sermão, há a invocação da Virgem Maria.
Os textos de Vieira têm o objetivo de fazer com que os leitores pensem e reflitam mais através da razão sem deixar que a emoção atrapalhe. Assim, com a ajuda de jogos de ideias e palavras, ele se sente na necessidade e obrigação de exaltar a importância da pregação e criticar muitos dos comportamentos dos homens.
Por: Luiza Batista.