A poesia a seguir, é uma das várias escritas por Tomás Antônio Gonzaga (1744-1810), grande poeta árcade.
Carta 1ª.
Em que se descreve a entrada, que fez
Fanfarrão em Chile.
(...)
Acorda, Doroteu, acorda, acorda;
Critilo, o teu Critilo é quem te chama:
Levanta o corpo das macias penas;
Ouvirás, Doroteu, sucessos novos,
Estranhos casos, que jamais pintaram
Na idéia do doente, ou de quem dorme
Agudas febres, desvairados sonhos.
Não és tu, Doroteu, aquele mesmo,
Que pedes, que te diga, se é verdade,
O que se conta dos barbados monos,
Que à mesa trazem os fumantes pratos?
Não desejas saber, se há grandes peixes,
Que abraçando os Navios com as longas,
Robustas barbatanas, os suspendem,
Inda que o vento, que d'alheta sopra,
Lhes inche os soltos, desrizados panos?
Não queres, que te informe dos costumes
Dos incultos Gentios? Não perguntas,
Se entre eles há Nações, que os beiços furam?
E outras, que matam com piedade falsa
Os pais, que afroxam ao poder dos anos?
Pois se queres ouvir notícias velhas,
Dispersas por imensos alfarrábios,
Escuta a história de um moderno Chefe,
Que acaba de reger a nossa Chile,
Ilustre imitador a Sancho Pança.
E quem dissera, Amigo, que podia
Gerar segundo Sancho a nossa Espanha!
Não penses, Doroteu, que vou contar-te
Por verdadeira história uma novela
Da classe das patranhas, que nos contam
Verbosos Navegantes, que já deram
Ao globo deste mundo volta inteira:
Uma velha madrasta me persiga,
Uma mulher zelosa me atormente,
E tenha um bando de gatunos filhos,
Que um chavo não me deixem, se este Chefe
Não fez ainda mais, do que eu refiro.
(...)
Tem pesado semblante, a cor é baça,
O corpo de estatura um tanto esbelta,
Feições compridas, e olhadura feia,
Tem grossas sobrancelhas, testa curta,
Nariz direito, e grande; fala pouco
Em rouco baixo som de mau falsete;
Sem ser velho, já tem cabelo ruço;
E cobre este defeito, e fria calva
À força de polvilho, que lhe deita.
Ainda me parece, que o estou vendo
No gordo rocinante escarranchado!
As longas calças pelo embigo atadas,
Amarelo colete, e sobre tudo
Vestida uma vermelha, e justa farda:
(...)
Publicado no livro Cartas Chilenas (1845).In: GONZAGA, Tomás Antônio. Cartas chilenas. Introd. cronol. notas e estabelecimento de texto Joaci Pereira Furtado. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. p.50-53. (Retratos do Brasil, 1)
Análise
Esta, como as outras cartas chilenas, denuncia as irregularidades políticas ocorridas no governo da época. Esta obra também pode ser comparada, segundo outros aspectos tratados pelos escritores nas sátiras, como o tratamento dado à religião, ao povo, à lei e à classe política. Através da leitura desta obra o leitor poderá confrontar ou comparar duas filosofias, duas visões de mundo, duas épocas importantes para a história do Brasil, aprendendo muito sobre o espírito brasileiro.
A carta é escrita em relatos na forma de versos decassílabos. Gonzaga finge escrever do Chile, contando a um amigo os abusos do governo, na cidade de Santiago. Mas percebe-se pelas circunstâncias relatadas que o país não é Chile, mas retrata Minas Gerais; que a cidade não é Santiago, mas Vila Rica e que o amigo é Cláudio Manuel da Costa, cujo pseudônimo é Doroteu e que os abusos estavam acontecendo no governo de Cunha Meneses.
Conta as injustiças e violências que Cunha Meneses "Fanfarrão" executou em seu governo, de caráter faraônico, que retrata uma obra grandiosa em objetivos e despesas executadas para servir como marco de uma administração política engrandecendo quem as empreendeu.
O comportamento de Fanfarrão é tão absolutista, que Gonzaga diz que os céus têm outra configuração, não se vê mais o Sol e a Lua, no lugar sobe um cometa que cobre toda a terra com sua cauda. Pobre Chile! Melhor seria se tivesse sido acometido pelas pragas do Egito. Depois que toma posse, Minésio, trata a todos com um desprezo que os faz sentirem saudades do governante anterior.
Uma característica bem marcante do arcadismo presente neste texto é o fingimento poético.
Fontes: https://www.portaleducacao.com.br/pedagogia/artigos/13751/analise-literaria-da-obra-cartas-chilena
http://www.estudopratico.com.br/caracteristicas-do-arcadismo/
Por: Luiza Batista
As Cartas Chilenas encontram‐se entre os melhores textos satíricos da língua portuguesa. Poema incompleto, o livro trata da corrupção de Luís da Cunha Meneses, governador da Capitania de Minas Gerais entre 1783 e 1788. Nela, Chilenas querem dizer Mineiras: Chile seria Minas Gerais; Santiago, Vila Rica. Os personagens também tentam despistar a inspiração: o governador ficou ilustrado por Fanfarrão Minésio; o autor se autodenomina de Critilo; o destinatário das cartas chama‐se Doroteu. São 13 cartas escritas em decassílabos brancos (sem rimas). Os costumes da cidade de Vila Rica são expostos de modo caricato e impiedoso, sobretudo os atos grosseiros e os desmandos da aristocracia. Critilo descreve a entrada de Fanfarrão, Minésio, no Chile, aparentando uma piedade da qual não é possuidor. Ele pede que Doroteu abandone o que estiver fazendo e dê atenção ao que ele irá lhe contar. Diante a conhecer as façanhas do D. Quixote às avessas, qualquer atividade que Doroteu esteja a realizar, são comparadas com sonhos desconectos da realidade, daqueles que se tem durante os sonos...
ResponderExcluirfontes:
https://www.algosobre.com.br/resumos-literarios/cartas-chilenas.html
http://www.trabalhosfeitos.com/ensaios/Trabalho-Sobre-Cartas-Chilenas-Resumo-Resenha/48669135.html
Dentre as várias funções de um texto literário, destaca-se em Cartas chilenas a intenção de denunciar a realidade, levar à reflexão e formar identidades. Provocar catarse/purgação é o que pretende também o escritor das mesmas pois, através do riso e do horror, pretende mudar o comportamento das pessoas.
ResponderExcluirCartas chilenas expõe, de modo grotesco e impiedoso, os atos corruptos e grosseiros de Fanfarrão Minésio, governador do Chile. Porém, a obra satiriza de fato o governo de Luís da Cunha Meneses, governador da Capitania das Minas Gerais entre 1783 e 1788.
Por suas ações, Minésio deve servir de anti-exemplo aos governantes portugueses no Brasil, ou seja, vendo o que ele faz de errado, os chefes devem reconhecer suas arbitrariedades e tentar mudar para melhor.
Como poema representante do Arcadismo, nota-se nele a presença de citações clássicas (deuses, poetas, governantes), o verso decassílabo e o predomínio da razão. O poeta/remetente via em Fanfarrão um atentado ao equilíbrio natural da sociedade. Entretanto não se percebe nenhuma crítica direta ao sistema colonial, mas à má administração de Fanfarrão. Alguns estudiosos afirmam que as cartas, manuscritas, circulavam largamente por Vila Rica.
https://ideiaspraticasparasaladeaula.blogspot.com.br/2012/04/cartas-chilenas-analise-da-obra.html?showComment=1478619706268#c4016379258469753567
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